sexta-feira, 22 de novembro de 2013

A pausa

Quando o cansaço nos alcança as vezes é preciso parar um pouco. Mas, o que fazer se você cansa da vida? Este não é um texto pré-suicídio ou algo do tipo, pode ficar tranquilo. Essas palavras aqui são apenas uma expulsão necessária de angústia, porque os tumores que crescem para fora podem ser menos danosos que os que crescem pra dentro.

Tenho tido tantos tropeços que já quase não me ergo. Mas sou teimosa, insisto em ficar de pé, vez em quando, mesmo cambaleando. Se você me encontrar por aí nem vai imaginar o tanto de arranhões e cicatrizes que carrego, pois a minha falsa-alegria engana mesmo os mais espertos. Não é que queira esconder minhas tristezas, mas fugir delas, sempre. Porém, elas são rápidas e acabam me alcançando em algum momento. Não só me alcançam, como trazem amigos, parentes, conhecidos... E eu caio, mais uma vez.


Já não há esparadrapo suficiente ou disposição para fazer curativos. Também não quero ficar no chão. Levanto, encosto numa parede, me apoio nas rotinas sociais e sigo em frente. Só não sei até quando.

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Livro ainda sem nome

CAPÍTULO 1


Na sexta-feira não esperava nada daquele fim de semana que viria. Mas no sábado minha amiga, Mariah, me chamou para ir a um show de um cantor que pouco conhecia. Ele era muito bom. Há meses escutava suas músicas sem parar: ao tomar banho, no carro, arrumando o quarto, antes de dormir... Hoje, no dia do show, admito que estou ansiosa.

                                                                                 ***


Como gostaríamos de sentar bem próximas ao palco, eu, a Mariah e uma amiga dela - Vanessa, chegamos bem cedo. O show estava marcado para as 19:00h e nós chegamos lá às 16:30h. Já havia gente sentada no chão, formando uma fila bagunçada.  Nós três nos sentamos no último lugar da fila que, para nossa sorte, era bem embaixo de uma árvore, assim ficaríamos na sombra.

-Ana, você e a Vanessa ainda não se conheciam pessoalmente, mas eu falo muito de vocês duas uma pra outra. - disse Mariah.
- É verdade, Vanessa. Eu já sei que você é uma garota bem maluquinha, segundo as palavras da Mariah.
- Sabe que eu cheguei a ficar com ciúme de você, Ana? De uns tempos pra cá a Mariah não para de falar das coisas que vocês duas têm em comum.

Nós três começamos a falar de como e quando havíamos escutado pela primeira vez aquele cantor que estávamos esperando. Um grupo de amigos que estava sentado próximo, na nossa frente na fila, juntou-se à nossa conversa e narraram suas primeiras experiências também. Um dos garotos do grupo pegou o violão que estava encostado na parede, começou a tocar uma das músicas mais antigas do tal cantor e todos nós nos juntamos em coro pra cantar, mesmo desafinando às vezes e travando um pouco no inglês. Logo não éramos só nós a cantar, mas todos que estavam na fila. Cantamos o repertório antigo e novo e mais uma dúzia de outros cantores e bandas. Parecíamos todos amigos e aquela sensação de termos uma coisa boa a nos unir, me fez sentir especial.

Depois de mais alguma cantoria e muitas risadas, finalmente os portões foram abertos e começamos a entrar. Valeu a pena termos chegado tão cedo, porque conseguimos lugares bem próximos ao palco. Os músicos ainda passavam o som, de modo que tínhamos ainda algum tempo para jogar conversa fora antes do show. A ansiedade parecia só aumentar em todos e de vez em quando olhávamos para trás para ver o número de pessoas que chegavam. Já estava quase na hora marcada para o show e o lugar estava lotado. Eu, a Vanessa e a Mariah víamos aquele monte de gente lá no fundo e, olhando umas para as outras, sorríamos pela nossa antecipação, que a princípio parecia exagerada, mas que nos havia garantido aqueles lugares perfeitos.  Ao nosso lado estava o mesmo grupo da fila e agora estávamos tão íntimos que parecíamos ter chegado juntos. Notei que garoto do violão, que se chamava Bruno, se esforçava para puxar e manter conversa comigo. Ele era bastante...interessante! Tinha o cabelo castanho claro, com um corte desleixado, mas seu rosto era limpo e aparentava ter sido barbeado naquele mesmo dia. Seus olhos eram claros, quase da cor dos cabelos, e pareciam doces. Aliás, quase tudo nele emanava doçura, que era equilibrada pelo seu jeito desleixado de se vestir.

-Ana, parece que o nosso novo coleguinha aí ao lado está interessado num "algo a mais" com você. -Mariah disse, tentando disfarçar o sorriso.
- É, concordo. - Eu disse e de repente tive vontade de trocar de lugar, porque estava envergonhada.

Acontecia sempre: ao descobrir que um garoto estava interessado em algo mais do que a sua amizade, simplesmente não sabia como agir diante dele. E isso era válido tanto para garotos em que ela se interessasse como não. Sua timidez era equivalente ao interesse dos garotos: quanto mais interessados eles se mostrassem, mais desconcertada ela ficava. E essa timidez tinha sido a causa do fim do seu último relacionamento. Mas ela não queria lembrar disso agora. Não mesmo. E estava decidida a não ceder à sua timidez dessa vez, por isso conteve a vontade de sair dali e não retribuir às investidas de Bruno. Mas justamente quando resolveu puxar conversa, os gritos e palmas começaram, as luzes se apagaram  ele entrou no palco.

sábado, 6 de julho de 2013

Aprendizado



Naquela manhã fez um desenho colorido, que não significava nada, mas que traduzia a sensação de alegria que se instalara no seu peito desde que ele chegara. Resolveu cortar a parte sem colorir da folha. Cortou o dedo e doeu. E foi ali, entre cores e alegrias, que ela aprendeu o quanto um papel inofensivo pode machucar.

...

Ele enfiou uma espada entre os seus seios e a deixou sangrar sozinha. Se desferisse mais alguns golpes, ela nem sentiria. Talvez já estive morta, mas consciente, ou viva sem consciência. Era algo a mais do que o seu sangue que jorrava para fora...todos os seus pensamentos seguiam o mesmo fluxo. Sem sangue, sem pensamentos, o que seria feito dela agora? Uma boneca de material qualquer ou um retrato desbotado, esquecido até pelo tempo. E foi ali, entre morte e vida, no centro de uma poça sanguínea, que ela aprendeu que o amor machuca mais do que um corte de papel.

domingo, 30 de junho de 2013

Se é para ser Feliz...

Chovia dentro do quarto. E não era por haver uma telha fora do lugar ou um buraco no teto. O que havia eram pensamentos fora do lugar e o que parecia um buraco no peito. Eram por essas imperfeições que escorria um líquido que encharcava o cômodo. A terapeuta lhe dizia que faltava-amor-próprio, mas ela achava que tinha amor demais. Amor suficiente para os dois. Ela reconhecia nessas suas palavras o discurso daquelas pessoas psicóticas, mas afastava esse conhecimento, fechando, convenientemente, algumas gavetas da sua consciência. 

Horas antes de estar naquele quarto com uma garrafa de uísque pela metade nas mãos e os olhos voltados para o seu reflexo derrotado, ela formava uma pintura diferente, um quadro bem bonito de quase-felicidade. Foi quando acordou do cochilo após o almoço que decidiu fazer uma surpresa para ele. Apesar de ser apenas terça-feira e sem saber bem para onde iriam, achou que seria bom aproveitarem a noite. Por isso comeu uma barra de chocolate para tomar coragem, lavou os cabelos, pintou as unhas e sentiu que estava pronta.

Na rua, alguns homens mexeram com ela, que sorria, disfarçadamente, pensando, isso é só para o meu benzinho. Chegou ao prédio onde ele trabalhava, um pouco antes da hora dele sair. Tinha tempo para olhar-se no espelho novamente e retocar o batom vermelho de que ele tanto gostava. No cabelo não precisava mexer, desde que cortara bem curto, do jeito que ele havia escolhido. Ao sair do banheiro ainda havia tempo para tentar adivinhar a reação dele para aquela surpresa e por isso decidiu tomar um suco na lanchonete que havia no térreo. Ela gostava daquela lanchonete. Não pela comida, que também era boa, mas pelo seguinte fato: suas paredes eram todas de vidro espelhado, sendo possível observar as pessoas que passavam na rua, sem que estas pudesse ver o que estava acontecendo no interior da lanchonete. Enquanto tomava o suco de melancia, observou um garotinho que vinhe andando com sua mãe, ao longe. Quer dizer, o garoto não estava apenas caminhando, mas saltando pela calçada. Ela achou aquilo engraçado, porque costumava andar da mesma forma quando criança e mais impressionante ainda era o fato de a mãe do menino não fazer nenhuma reclamação, porque aquele jeito de andar lentificava a caminhada dos dois. Ao pensar nisso reparou, pela primeira vez, na mulher que segurava a mão do garotinho. Uma loira bonita, jovem até, cheia daquele estilo que as revistas chamam de "clássico". A aliança no seu dedo era esplêndida e reluzia no sol daquele fim de tarde. De repente viu que eles estavam entrando na lanchonete. Observou-os com mais cuidado e até tomou emprestado um pouco da felicidade que emanava dos dois. Agora sim, estava pronta e sabia que tudo daria certo. Ah, e lá estava ele, saindo do elevador! Decidiu não levantar, pois sabia que ele viria para a lanchonete tomar um café, como fazia todos os dias, e ela estava numa posição em que poderia observá-lo, sem ser notada, como tanto gostava de fazer. Estava certa, ele entrou na lanchonete. Mas havia algo estranho... ele estava sorrindo para alguém! Seguiu seus olhos, seus passos e a alegria que partia do seu corpo. Tudo nele voltava-se para a mulher loira e o garotinho saltitante. Ela não conseguia entender. Seu suco estava amargo. Talvez estivesse louca. Foi quando viu... a aliança no dedo dele era esplêndida! Será que ela estava mesmo ali? O mundo continuava a existir? O que eram aqueles pontos embaçados na sua visão? Todas as suas certezas se transformaram em perguntas. Pagou o suco e saiu caminhando como se alguém a guiasse. Estranhou a firmeza das suas pernas, mas aproveitou para conseguir chegar em casa.

E é onde está agora, pensando e repetindo o pensamento, em tudo que aconteceu hoje e desde o dia em que se conheceram. Ele tinha uma família! E aquilo tornava tudo diferente. Sabia que ele era casado. Mas ser casado é muito diferente de ter uma família. O casamento é um contrato entre duas pessoas; um papel assinado que diz "cumpri com a lei da vida, tenho um(a) esposo(a) e prometo comprar-lhe um presente caro uma vez no ano. Mas ter uma família significa que duas pessoas estão unidos por mais do que um simples contrato. Elas estão juntas por amor e isso as fez querer continuar juntas para sempre, fazendo-se felizes todos os dias, não uma vez por ano e não com presentes comprados, mas com todas as coisas boas do mundo, que vêm de carona com o amor. O fato de pensar que ele apresentava uma outra mulher como a sua esposa, isso ela podia suportar. Mas uma criança que anda saltando pela calçada, uma mãe que ri disso e um pai que sorri com ternura para os dois depois de um dia inteiro de trabalho cansativo... era demais pra ela. E por saber que era demais e que tudo havia acabado, ela acabou com o uísque, que era dele e ela nem gostava, mas precisava livrar-se dos seus vestígios. Abriu o guarda roupa, tirou as camisas dele, que só faziam ocupar espaço no seu armário já abarrotado. Finalmente tinha espaço para coisas novas! Olhou o perfume dele ao lado do seu e percebeu que sentiria falta. Quando tirou a última caixa de sapatos, encontrou um embrulho de presente que nunca tinha visto. Devia ser uma surpresa. Sentou-se na cama e desfez o laço com cuidado. Dentro havia um livro com o seguinte título: "10 dicas para ser Feliz". Olhou aquele livro por algum tempo, depois devolveu-o ao embrulho de presente e foi até a sala, abrir uma garrafa de champanhe. Percebeu que uísque não era a bebida mais apropriada para aquele dia. Champanhe é a bebida da comemoração! Odiava livros de auto-ajuda e todo mundo que já tivesse visto sua estante ou mesmo a conhecido superficialmente, sabia disso. Definitivamente, aquele dia era para ser comemorado.